26 NOV | TEATRO VILLARET | 21H30
05 DEZ | MUSEU DO FADO | 19H00
Miguel Xavier licença
para cantar
Dizem-me que, de muito pequenino, se
esticava na cama ao lado da avó, um transístor sintonizado para uma rádio fado,
pousado entre os dois. O Miguel Xavier aprendia, literalmente, todos os fados.
Quando o Miguel Amaral me levou a ouvi-lo, ele teria 19 anos. Fiquei tão siderado como quando ouvi o Camané então mais ou menos da mesma idade. Haverá quem “nasça para o fado” ou quem por lá viva, apanhando-lhe jeitos e tiques, mas o que reacende a identificação de uma voz que só pode e só deve ser do Fado é aquela flexibilidade melódica e aquele pouco de ar que mal se sente no som, mas que marca a diferença entre os melismas do Fado, seus estilos e variações, e os do Cante Flamenco, por exemplo. Muito boas vozes não conseguem nunca produzir a diferença que este som tem.
Miguel Xavier canta quase hirto,
hierático, concentrado, sem gestos nem jeitos nem sinais de legitimação
marialva, bairrista ou fadisteira. É apenas um músico integral. Nem fusões, nem
infusões, nem vícios. Canta maravilhosamente e está só, por dentro daquilo que
canta. Basta comparar o trecho de Alexandre O’Neill / Filipe Teixeira
(produzido na melhor tradição daquele fado que Amália literou e revolucionou)
com o clássico “Velhinho Fado Menor” (com versos da discreta Maria Manuel Cid)
para confirmar o seu profundo conhecimento e autenticidade. São coisas que
fazem do Fado a sina de alguns. São esses os poucos que cantem o que cantem,
cantam sempre de algum modo Fado, ou que quando cantam Fado o exponenciam e
elevam.
À volta de Miguel Xavier está uma espécie de “família” mais ou menos local que, sob a liderança de Miguel Amaral, se desdobra em escritores de fados de primeira água: Mário Laginha, Luís Figueiredo, Filipe Teixeira, André Teixeira e Marco Oliveira por exemplo. É isso que ajuda a fazer do disco de MX um dos mais belos discos de Fado dos últimos tempos.
A criança, nas suas sestas com a avó, nunca sonhou ter uma missão. Cresceu apenas para aquele lugar suave e ético que é a Arte.
Ricardo Pais
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